Receita Federal institui novo procedimento para a fiscalização de fraudes aduaneiras
A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) publicou, em 04 de novembro de 2020, a Instrução Normativa (IN) RFB nº 1986, de 29/10/2020, que dispõe sobre o Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes Aduaneiras e revoga as anteriores IN nº 228/2002 e 1.169/2011, que tratam, respectivamente, do procedimento especial de verificação da origem de recursos aplicados em operações do comércio exterior e combate à interposição fraudulenta e do procedimento especial de controle em operações do comércio exterior diante de suspeita de irregularidade punível com a pena de perdimento.
A entrada em vigor da nova IN ocorrerá em 1º de dezembro de 2020.
A nova regulamentação surge no âmbito do “Projeto Consolidação da Receita Federal”, iniciativa do Governo Federal de revisão de normas dos órgãos do Poder Executivo, nos termos do Decreto nº 10.139/2019, no contexto do recente julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.090.591/SC pelo Supremo Tribunal Federal (STF), caso paradigma para o Tema 1.042 de repercussão geral, no qual foi fixado entendimento de que é constitucional vincular o despacho aduaneiro ao recolhimento de diferença tributária apurada mediante arbitramento da autoridade fiscal (vide artigo de nosso Boletim Tributário sobre tal julgamento – clique aqui).
Os principais pontos da IN 1986 são:
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Possibilidade de instauração do Procedimento tanto antes de as mercadorias serem submetidas a despacho aduaneiro, como depois do início do despacho aduaneiro e antes de as mercadorias serem desembaraçadas, ou, ainda depois de as mercadorias serem desembaraçadas, observado o prazo decadencial;
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Inexistência de previsão específica de prazo para a conclusão do Procedimento – os procedimentos especiais das IN nº 228/2002 e 1.169/2011 possuíam o prazo de conclusão de 90 (noventa) dias, prorrogáveis por igual período – exceto na hipótese de retenção de mercadorias importadas quando houver “indícios de infração punível com a pena de perdimento”, caso em que a retenção deverá ocorrer pelo prazo máximo de 60 (sessenta) dias a contar do respectivo Termo de Retenção, prorrogáveis por igual período “em situações justificadas”, e com suspensão dessa contagem a partir da intimação do interessado “até o dia do seu atendimento integral”;
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Previsão expressa de liberação das mercadorias retidas caso haja o decurso do referido prazo, desde que não haja óbice ao seu desembaraço, e sem prejuízo da continuidade do Procedimento até a sua conclusão;
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Previsão de interrupção do prazo para caracterização de abandono quando as mercadorias forem retidas, até o afastamento dos indícios de infração que motivaram a retenção;
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Determinação de apreensão de mercadorias importadas quando houver “de forma inequívoca e imediata a caracterização de infração punível com a pena de perdimento”, que poderá ocorrer no momento da instauração ou no curso do Procedimento de Fiscalização, caso em que as mercadorias não serão desembaraçadas ou entregues após o importador ter sido cientificado do respectivo Termo de Apreensão, mesmo que eventual garantia já tenha sido prestada, a qual será levantada;
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Permissão para que qualquer unidade da RFB possa instaurar e executar o Procedimento, mesmo que diversa daquela que jurisdiciona o local em que se encontram as mercadorias ou da unidade de jurisdição do interessado;
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Previsão do prazo de 16 (dezesseis) dias, contados da distribuição da Declaração de Importação (DI) ao Auditor-Fiscal, para apuração dos elementos indiciários de fraude no curso da conferência aduaneira, em qualquer canal;
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Previsão de prazo de 5 (cinco) dias úteis, contados do recebimento do pedido pelo interessado, para fixação do valor da garantia para liberação de mercadoria retida, com base no preço apurado pelo procedimento previsto no art. 88 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, no custo do transporte e carga, descarga e manuseio associados ao transporte e no custo do seguro, acrescido de eventual diferença positiva verificada em relação ao montante dos tributos calculados e recolhidos; e
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Possibilidade de manifestar discordância do valor fixado para a garantia, cuja apreciação deverá ser realizada no prazo de 5 (cinco) dias úteis contados do recebimento da manifestação;
Como se nota, a nova IN 1986 confere tratamento distinto entre retenção e apreensão de mercadorias, não prevendo explicitamente, para essa última, a possibilidade de apresentação de garantia para liberação das mercadorias – tanto que determina o levantamento da garantia eventualmente prestada, como já mencionado – ou prazo para a conclusão do procedimento.
Além dos referidos pontos, destaca-se a previsão de que os procedimentos relativos as mercadorias que se encontrarem retidas com base nas IN nº 228/2002 e 1.169/2011 na data de entrada em vigor da nova IN – que ocorrerá, como já mencionado, em 1º/12/2020 – deverão ser readequados às disposições sobre retenção de mercadorias da nova IN, e os respectivos procedimentos serão convertidos em Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes Aduaneiras.
Ademais, e diferentemente das IN revogadas, a nova IN 1986 não elenca expressamente quais seriam os indícios que ensejam a instauração do Procedimento e a retenção ou apreensão das mercadorias, embora tais indícios possam ser extraídos de disposições do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009) relativas às hipóteses que ensejam a aplicação da pena de perdimento da mercadoria (art. 689).
Por fim, de maneira mais clara em relação aos normativos anteriores, a IN determina que além da retenção e apreensão das mercadorias, o interveniente fiscalizado poderá sofrer:
(i) a aplicação da pena de perdimento das mercadorias e da multa equivalente ao seu valor aduaneiro;
(ii) a constituição de créditos relativos a tributos e multas;
(iii) a aplicação de sanções administrativas;
(iv) a representação para declaração de inaptidão da inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);
(v) a representação fiscal para fins penais;
(vi) a representação para fins penais;
(vii) a representação à fiscalização de tributos internos;
(viii) a representação para outros órgãos da Administração Pública; e
(ix) a revisão de habilitação para operação nos sistemas de comércio exterior.
Destaca-se que mesmo diante do referido julgamento do Tema 1.042 do STF e com a publicação da IN 1986, ainda existem questões em aberto relacionadas ao tema.
Por exemplo, vem sendo questionada a extensão do julgamento do STF aos casos de aplicação de multas aduaneiras, que não possuem natureza tributária, tais como as multas de conversão da pena de perdimento, erro no conteúdo da declaração, ausência de apresentação de Licença de Importação, cessão de nome e subfaturamento. A IN 1986 trata o tema de maneira genérica e acaba por prever a retenção de mercadorias nesses casos.
Ficamos à disposição para maiores esclarecimentos ou assistência em relação a este e outros temas relacionados ao direito aduaneiro.