Constitucionalidade da cobrança de ICMS na aquisição de software por download ou streaming

Em sessão realizada na tarde de hoje, dia 14 de agosto, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) não conheceu de três arguições de inconstitucionalidade que tinham objeto a discussão sobre a constitucionalidade do Decreto Estadual nº 63.099/17, que, com base no Convênio CONFAZ nº 106/17, disciplinou a incidência do ICMS sobre as operações de licenciamento de software por meio de transferência eletrônica de dados (download ou streaming), definindo, dentre outros aspectos, o local de ocorrência do fato gerador e do contribuinte do imposto. 

O principal fundamento utilizado nas ações que ensejaram os incidentes para sustentar a inconstitucionalidade de referido Decreto é que houve violação do comando do art. 146, inciso III, ‘a’, da Constituição Federal, que determina que cabe exclusivamente a lei complementar o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre a definição de fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes de impostos.

Outros argumentos foram aventados para sustentar a inconstitucionalidade do Decreto, dentre os quais destacamos o sustentado em memoriais por amicus curie admitido no processo, de que a “aquisição de software”, por download ou streaming, nada mais é do que a cessão de direitos de licenciamento sobre tais bens intangíveis, que, por sua natureza jurídica, não confere ao licenciado (o “adquirente”) as faculdades inerentes à propriedade do software, tendo em vista que muitos de tais contratos dependem de renovações periódicas (assinaturas), que o adquirente não tem acesso ao código-fonte, e que o licenciado não pode revender o “bem adquirido” a terceiros. Por essas razões, não haveria em tais operações uma compra e venda de “mercadorias digitais” (expressão utilizada no Decreto) e, portanto, não haveria circulação jurídica de bens – pressuposto do fato gerador do ICMS.

Nada obstante a importância da matéria e as discussões travadas no processo, o Órgão Especial, por maioria de votos, não conheceu das arguições de inconstitucionalidade, sob o argumento de que o Decreto Estadual nº 63.099/17 é norma de natureza secundária, e que a eventual inconstitucionalidade seria reflexa, não podendo ser apreciada por aquele colegiado, devendo as câmaras de julgamento do Tribunal analisarem a questão apenas sob o prisma da legalidade, ou seja, da conformação do Decreto com a legislação infraconstitucional de regência.

Destacamos que, no âmbito de uma análise infraconstitucional, é possível aventar-se o argumento de que o Decreto é ilegal, na medida em que, de um lado, o item 1.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 contempla a atividade de “licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação” (atividade que pode, em muitos casos, se confundir com a “venda”, por download ou streaming, de softwares), e que, de outro lado, por previsão expressa do § 2º do art. 1º da Lei Complementar nº 116/03, nos casos em que há sobreposição entre os fatos geradores do ISS e do ICMS, inclusive quando a prestação de serviços envolva o fornecimento de mercadorias, a cobrança de ICMS só é permitida quando houver expressa previsão no respectivo item da lista anexa à Lei Complementar (o que não ocorre no caso).

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