Boletim Tributário - Março de 2019
Temos o prazer de apresentar, a seguir, a edição de março de 2019 de nosso Boletim Tributário, informativo mensal com o objetivo de divulgar novidades legislativas e jurisprudenciais em matéria tributária.
Nesta edição, apresentamos os seguintes assuntos:
STF – Ministro Luiz Fux suspende decisão que anulava julgamento administrativo decidido por voto de qualidade
STJ – Início do julgamento sobre a possível exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB
CARF – Desconsideração de negócio jurídico – Exigência de contribuição previdenciária por “pejotização”
CARF – Não incidência de contribuição previdenciária sobre bônus de contratação (hiring bonus)
Solução de Consulta Cosit nº 76/2019 – Tributação das indenizações por dano patrimonial, lucros cessantes e dano moral objetivo de pessoa jurídica tributada pelo lucro real
Solução de Consulta Cosit nº 81/2019 – Inexistência de ganho de capital na transferência, ao sócio, de bens ou direitos pelo valor contábil na liquidação de sociedade
Nossa equipe fica à disposição para esclarecimentos.
Boa leitura!
STF – MINISTRO LUIZ FUX SUSPENDE DECISÃO QUE ANULAVA JULGAMENTO ADMINISTRATIVO DECIDIDO POR VOTO DE QUALIDADE
O Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu os efeitos de decisão judicial que anulou julgamento realizado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do CARF, que havia compelido a Corte Administrativa a proferir novo julgamento, dessa vez sem a aplicação do voto de qualidade pelo Presidente – representante do Fisco – do órgão julgador, o qual, em caso de empate, tem o efeito de decidir o resultado da contenda.
Trata-se de decisão proferida na Medida Cautelar de Suspensão de Segurança nº 5.282-DF, instrumento que pressupõe a existência de risco à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas (art. 4º, caput, da Lei nº 8.437/91[1]; art. 15 da Lei nº 12.016/09[2] e art. 297 do Regimento Interno do STF[3]), e que dispensa o Supremo Tribunal Federal de emitir juízo de valor sobre o mérito.
Por isso, quanto ao mérito propriamente dito, o Ministro Luiz Fux se restringiu a afirmar que o voto de qualidade possui previsão legal expressa (art. 25, § 9º, do Decreto nº 70.235/72), tendo pautado suas razões de decidir em argumentos predominantemente consequencialistas, isto é, que levam fortemente em consideração as consequências que determinada decisão podem provocar.
Pesou, portanto, para o Ministro do STF, a circunstância de o débito em discussão beirar R$ 1,9 bilhões, além do efeito multiplicador que a controvérsia tende a incutir nos demais contribuintes que também possuem processos administrativos decididos pelo voto de qualidade, o que, para a União, poderia expressar discussões com cifra superior a R$ 25 bilhões.
Por isso, pautado em riscos de abalo à ordem pública administrativa e à ordem econômica, derivados do potencial impacto que a controvérsia poderia causar na programação orçamentária e financeira da União, o Ministro do STF reconheceu a presença do “perigo da demora” e da “probabilidade do direito”, o que o levou a suspender a eficácia do comando judicial que obrigou a CSRF do CARF a realizar novo julgamento.
STJ – INÍCIO DO JULGAMENTO SOBRE A POSSÍVEL EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DA CPRB
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou o julgamento da controvérsia que versa sobre a possibilidade de os contribuintes excluírem o ICMS da base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB). O julgamento tramitará pela sistemática dos recursos repetitivos (Recursos Especiais nºs 1.629.001/SC, 1.638.772/SC e 1.624.297/RS).
De um lado, os contribuintes sustentam que a questão merece atrair o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de repercussão geral (RE 574.706), oportunidade em que a Suprema Corte definiu que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins. De outro lado, a União defende que o regime da CPRB é facultativo, o que viabilizaria a inclusão do ICMS em sua base, também porque a incidência ocorre sobre a receita “bruta”.
A Relatora, Ministra Regina Helena Costa, votou pela exclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB, tendo seguido a mesma diretriz firmada pelo STF em sede de repercussão geral (RE 574.706).
Na sequência, pediu vista o Ministro Gurgel de Faria, razão pela qual o julgamento foi interrompido.
CARF – DESCONSIDERAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO – EXIGÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA POR “PEJOTIZAÇÃO”
Em recente julgado, a 4ª Câmara da 2ª Turma Ordinária do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), nos autos do Processo Administrativo nº 16682.721028/2015-87, manteve parcialmente autos de infração lavrados para exigência de contribuições previdenciárias (própria e de terceiros) incidentes sobre valores pagos por pessoa jurídica a outras pessoas jurídicas em decorrência da contratação de serviços intelectuais de natureza artística e cultural, em caráter personalíssimo.
A autuação foi encetada por ter-se identificado em tais contratos de prestações serviços personalíssimos uma suposta finalidade de dissimular a ocorrência de fato gerador das contribuições, ao camuflar verdadeiras relações de trabalho mediante o expediente que se intitula “pejotização”.
No caso concreto, o Colegiado, ao analisar os elementos caracterizadores da relação de emprego – pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade – concluiu não haver prestação de serviços por pessoas jurídicas, mas sim a prestação de serviços por pessoas físicas “camufladas na forma de contratação de pessoas jurídicas”.
Sob esse fundamento, a Turma Julgadora afastou a aplicação ao caso do art. 129 da Lei nº 11.196/05 (que determina que, para fins fiscais e previdenciários, a contratação de serviços intelectuais prestados por pessoas jurídicas, ainda que em caráter personalíssimo, se sujeita exclusivamente à legislação aplicável às pessoas jurídicas), asseverando que tal dispositivo é aplicável apenas às situações em que não é constatada relação empregatícia entre contratante e contratado, ou seja, nas prestações de serviços intelectuais por profissionais verdadeiramente autônomos, não se prestando ele a autorizar a contratação de empregados “pejotizados”. (Acórdão nº 2402-006.976)
CARF – NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE BÔNUS DE CONTRATAÇÃO (HIRING BONUS)
Em acórdão recentemente formalizado no bojo do Processo Administrativo nº 19515.001052/2009-78, a 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) analisou a questão da incidência de contribuição previdenciária sobre os bônus de contratação, comumente chamado de hiring bonus, verba paga pelas empresas como atrativo à contratação de profissionais que se destacam em sua área de atuação (gratificação espontânea de admissão).
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por meio de recurso especial, sustentou que o bônus de contratação constitui contraprestação à relação de trabalho, tratando-se, portanto, de uma antecipação de pagamento pelos serviços a serem prestados pelo empregado recém contratado. Acrescentou ainda que o pagamento a título de hiring bonus não se caracteriza como pagamento eventual, pois é realizado em situações pré-definidas, devendo ser reconhecida a sua natureza remuneratória e de modo a compor o salário-de-contribuição para fins de incidência da contribuição previdenciária.
Ao analisar as razões recursais apresentadas pela PGFN, a 2ª Turma da Câmara Superior entendeu por negar-lhe provimento, assentando que: (i) a verba foi paga em caráter “incondicionado”, sem qualquer contraprestação de trabalho, restando descaracterizado o caráter remuneratório do bônus de contratação; e (ii) a verba foi paga antes mesmo da contratação, sem que tenha sido exigido do beneficiário metas a serem cumpridas ou período de permanência mínima, de modo que, também nesse aspecto, se desconfigura o caráter remuneratório do bônus.
Desse modo, concluiu a 2ª Turma da Câmara Superior que “não há que se falar que a natureza salarial do Bônus de Contratação restou comprovada, quando não são trazidos aos autos elementos de convicção acerca do vínculo do pagamento da verba com o contrato de trabalho.” (Acórdão nº 9202-007.637)
SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 76/2019 – TRIBUTAÇÃO DAS INDENIZAÇÕES POR DANO PATRIMONIAL, LUCROS CESSANTES E DANO MORAL OBJETIVO DE PESSOA JURÍDICA TRIBUTADA PELO LUCRO REAL
Foi publicado no último dia 28 de março a Solução de Consulta Cosit nº 76, de 20/03/2019, na qual Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal do Brasil (RFB) discorre sobre a incidência ou não de IRPJ e CSLL pelo regime do lucro real e de PIS e Cofins não-cumulativos sobre valores auferidos a título de indenização destinada a reparar dano patrimonial e moral, bem como sobre os juros e correção monetária estabelecidos no processo judicial relacionado à reparação de tais danos.
O caso concreto tratou de indenização obtida judicialmente por empresa optante pelo lucro real (e, portanto, sujeita à apuração não cumulativa do PIS e da Cofins), conforme sentença na qual a parte contrária foi condenada ao pagamento de indenização por danos materiais nas modalidades de dano emergente e lucros cessantes, bem como indenização por danos morais, em montante arbitrado pelo juiz, tudo isso com atualização monetária e juros desde a citação da ré.
Inicialmente, a Cosit estabelece uma distinção entre fatos que podem ocorrem na aquisição de valores decorrentes de dano patrimonial: o primeiro é a situação em que o montante auferido a título de indenização é superior ao valor do dano sofrido; e o segundo é a situação em que montante auferido é inferior ou igual ao dano sofrido.
Na primeira hipótese acima, a Cosit entende que a diferença entre a receita recebida e o valor da despesa do respectivo dano sofrido configura aquisição de disponibilidade econômica e de acréscimo patrimonial. Já na segunda hipótese, em que a despesa com o dano é superior ou igual à receita auferida decorrente dele, a confrontação de ambos os montantes resulta em quantitativo nulo ou negativo, não havendo acréscimo nenhum, pois há somente a recomposição patrimonial, ou mesmo a perda.
Considerando, porém, que a empresa, por ser sujeita ao lucro real, pode ter baixado como despesa valores relacionados ao dano que sofreu (e.g. dispêndios com divulgação de produto, com ressarcimento de suas consumidoras ou com custas processuais), estabeleceu a Cosit que os montantes efetivamente baixados como despesas e que tenham sido posteriormente recuperados compõem por seu montante integral a base de cálculo do IRPJ e da CSLL – configurando a hipótese de recuperação de custos a que se refere o art. 441, II, do Regulamento do Imposto de Renda de 2018 (Decreto nº 9.580/2018), que determina o cômputo na determinação do lucro operacional. E, por outro lado, caso as despesas sejam superiores ao valor recuperado, haverá a possibilidade de o contribuinte compensar a perda líquida com outras receitas; caso contrário, deverá oferecer o plus à tributação.
Já os montantes que, por quaisquer outras razões, não tenham como contrapartida direta uma despesa, devem influenciar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL pelo seu ganho ou perda apurado. Esses seriam os casos dos lucros cessantes – parcela relativa àquilo que razoavelmente o credor deixou de lucrar –, que é verdadeira expressão de aumento patrimonial, e dos danos morais objetivos – valores que não tem como causa a diminuição patrimonial do contribuinte, tendo, portanto, caráter extrapatrimonial e evidenciando acréscimo.
Por fim, em relação ao acréscimo patrimonial evidenciado pelos valores relativos à correção monetária e aos juros legais contados a partir da citação do processo judicial, vinculados às indenizações recebidas, esses constituem receita financeira, devendo sofrer a incidência dos mencionados tributos que incidem sobre renda, lucro e receita.
Em síntese, a Cosit decidiu no seguinte sentido:
i) Não se sujeita à incidência do IRPJ e da CSLL a indenização destinada a reparar dano patrimonial até o montante efetivamente diminuído do patrimônio;
ii) Para fins do IRPJ e da CSLL, o contribuinte que não baixa como despesa o montante relativo ao dano deve apurar o acréscimo ou a diminuição patrimonial oriunda dos recebimentos diminuídos do valor das respectivas perdas;
iii) Para fins do IRPJ e da CSLL, os lucros cessantes são verdadeira expressão do aumento da capacidade econômica do contribuinte, computando-se, portanto, em ambas as bases de cálculo. No caso do IRRF, os lucros cessantes sujeitam-se, ainda, à retenção na fonte prevista no art. 60 da Lei nº 9.430, de 1995;
iv) Para fins do IRPJ e da CSLL, o dano moral objetivo é dano extrapatrimonial e a aquisição do direito de receber qualquer parcela a ele vinculada evidencia acréscimo patrimonial sujeito à incidência de ambos os tributos;
v) Os valores auferidos a título de indenização destinada a reparar dano patrimonial e moral sujeitam-se à incidência da Cofins não cumulativa e da Contribuição para o Pis/Pasep não cumulativa; e
vi) Para fins de apuração de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, os valores da correção monetária e dos juros legais são considerados como receita financeira e devem ser computados nas respectivas bases de cálculo.
SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 81/2019 – INEXISTÊNCIA DE GANHO DE CAPITAL NA TRANSFERÊNCIA, AO SÓCIO, DE BENS OU DIREITOS PELO VALOR CONTÁBIL NA LIQUIDAÇÃO DE SOCIEDADE
Por meio da Solução de Consulta Cosit nº 81, de 20/03/2019, a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal do Brasil (RFB) analisou questionamento de sociedade anônima de economia mista acerca de transferências de bens ou direitos ao sócio de saldos remanescentes da liquidação da companhia, mais especificamente, no que tange à incidência do imposto de renda sobre valores contábeis transferidos ao sócio em devolução de participação naquela.
A Consulente narra ter uma carteira de ativos de valor escritural (contábil) no montante de R$ 3,9 bilhões, enquanto a avaliação feita pela auditoria independente estima um valor entre R$ 60 milhões e R$ 80 milhões. Assim, questionou à Cosit se incidiria tributação sobre o valor contábil de tais ativos no momento da transferência, por devolução, a seu único acionista.
Em resposta, a Cosit asseverou que, desde o advento da Lei nº 9.249/95, a situação em que a pessoa jurídica transfere a sócio ou acionista bens e direitos do seu patrimônio a título de devolução de sua participação no capital social passou a ter tratamento específico no art. 22, caput, que faculta, em tais hipóteses, a avaliação de tais bens pelo valor contábil ou pelo valor de mercado, sendo que o seu § 1º determina o respectivo efeito na hipótese de a transferência vir a ser feita pelo valor de mercado[4].
No caso concreto, conforme a Cosit, não há sequer “mais valia” na carteira de ativos no momento da devolução pelo valor contábil; muito pelo contrário, essa carteira de ativos está desvalorizada. Ademais, registrou a Cosit que: “Evidentemente, se um bem ou direito é transferido pelo seu valor de custo ou valor contábil, não haverá ganho nem perda. A futura realização do bem ou direito pelo novo proprietário é que determinará se houve ganho ou perda”.
Desse modo, e uma vez que a pessoa jurídica pode efetivar a transferência dos saldos remanescentes da liquidação, de bens ou direitos creditórios aos sócios, avaliando-os pelo valor contábil, concluiu a Cosit que não há que se falar em ganho de capital ou “mais valia” dos direitos transferidos.
[1] “Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.”
[2] “Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.”
[3] “Art. 297. Pode o Presidente, a requerimento do Procurador-Geral, ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar, ou da decisão concessiva de mandado de segurança, proferida em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais.”
[4] “Art. 22. Os bens e direitos do ativo da pessoa jurídica, que forem entregues ao titular ou a sócio ou acionista, a título de devolução de sua participação no capital social, poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado.
§ 1º No caso de a devolução realizar-se pelo valor de mercado, a diferença entre este e o valor contábil dos bens ou direitos entregues será considerada ganho de capital, que será computado nos resultados da pessoa jurídica tributada com base no lucro real ou na base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido devidos pela pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou arbitrado.”