Inconstitucionalidade da Inclusão de Valores de Frete na Base de Cálculo do IPI

A Receita Federal do Brasil, há muitos anos, exige que os contribuintes do IPI, nas saídas de produtos industrializados, incluam na base de cálculo do imposto os valores relativos ao frete. Ocorre que essa exigência, do ponto de vista jurídico, é altamente questionável.

Com efeito, o art. 47, inciso II, ‘a’, do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe que a base de cálculo do IPI é “o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria”. 

A legislação ordinária, anterior ao CTN mas a ele em nada contraditória, dispunha que a base de cálculo do imposto era “o preço da operação de que decorrer a saída do estabelecimento produtor, incluídas tôdas as despesas acessórias debitadas ao destinatário ou comprador, salvo, quando escrituradas em separado, os de transporte e seguro nas condições e limites estabelecidos em Regulamento” (art. 14, inciso II, da Lei nº 4.502/64).

Ou seja, a legislação excluía expressamente da base de cálculo do IPI o frete cobrado do destinatário ou comprador da mercadoria, desde que escriturado em separado.

A Lei nº 7.798/89 modificou a Lei nº 4.502/64, dando a seguinte redação para o seu art. 14, § 1º: “O valor da operação compreende o preço do produto, acrescido do valor do frete e das demais despesas acessórias, cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador ou destinatário”.

A Lei nº 7.798/89, portanto, inovou a legislação federal e incluiu o valor do frete cobrado pelo contribuinte do destinatário ou comprador na base de cálculo do IPI, majorando a incidência do imposto.

É de se destacar que o art. 146, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição Federal dispõe caber exclusivamente à lei complementar a definição da base de cálculo de impostos. A definição constante do art. 47, inciso II, ‘a’, do CTN, portanto, não poderia ser modificada ou alargada pela Lei nº 7.798/89 – mera lei ordinária. Nesse sentido, a inconstitucionalidade da referida norma é patente.

A inovação legislativa introduzida pela Lei nº 7.798/89 padece, ainda, de vício de ilegalidade, na medida em que afronta o conceito do art. 47, inciso II, ‘a’, do CTN, pois o frete não está incluído no “valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria”. Por “valor da operação” deve-se entender o valor relativo à materialidade do IPI, qual seja, a industrialização do produto a que se dá saída. O frete, por sua vez, relaciona-se não à industrialização da mercadoria, mas sim à sua circulação (que está relacionada apenas à materialidade do ICMS). O frete, por ser totalmente estranho à industrialização, não pode compor a base de cálculo do IPI.

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu favoravelmente aos contribuintes, no sentido de que a inclusão do valor do frete na base de cálculo do IPI não pode prevalecer, por contrariar o CTN (REsp 383.208 - PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 17/06/2002).

Já a Segunda Turma do STJ, quando confrontada com a questão, em mais de uma oportunidade se limitou a concluir que se trata de determinar se a lei ordinária usurpou ou não a competência conferida pela Constituição à lei complementar, e, portanto, que a solução do problema compete ao Supremo Tribunal Federal (REsp nº 650.949 - PR, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 15/02/2007; REsp 209.320 - DF, Rel. Min. Castro Meira, DJ 20/03/2006).

Por sua vez, a jurisprudência do STF vem se consolidando no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da inclusão de valores relativos a frete na base de cálculo do IPI.

Recentemente, a Primeira Turma do STF desproveu, por unanimidade, agravo regimental da União contra decisão do Min. Marco Aurélio que havia negado seguimento a seu recurso extraordinário (Ag. Reg. no RE nº 881.908-CE, DJ-e 09/10/2015). Em sua decisão monocrática (confirmada por unanimidade pela 1ª Turma), o Min. Marco Aurélio afirmou que a pretensão da União (de reformar o acórdão original e referendar a incidência do IPI sobre o frete cobrado dos destinatários das mercadorias) não poderia ser conhecida por contrariar o decidido pelo STF no julgamento do RE 567.935/SC, sob a sistemática repercussão geral.

Em acórdão em tudo análogo e também recentíssimo, a Segunda Turma do STF desproveu (também por unanimidade) outro agravo regimental da União contra decisão monocrática da Min. Carmem Lúcia, que invocou os exatos mesmos fundamentos da decisão do Min. Marco Aurélio (Ag. Reg. no RE nº 637.714-SC, DJ-e 06/08/2015).

O interessante na fundamentação das acima citadas decisões monocráticas é que o STF, no julgamento do RE 567.935/SC, realizado sob a sistemática da repercussão geral e invocado como precedente vinculante, não tratou exatamente da questão da inclusão do frete na base de cálculo do IPI, mas de questão análoga.

Com efeito, naquela oportunidade, o STF decidira pela inconstitucionalidade de dispositivo da mesma Lei nº 7.798/89 que acrescentara o § 2º ao art. 14 da Lei nº 4.502/64, segundo o qual incluem-se na base de cálculo do IPI os descontos incondicionais concedidos nas operações de saídas de mercadorias sujeitas ao imposto. Naquele julgamento, reconheceu o Tribunal que descontos incondicionais repercutem, necessariamente, no “valor da operação" e, portanto, devem ser deduzidos da base de cálculo do IPI, em obediência à definição do art. 47, inciso II, alínea ‘a’, do CTN. A lei ordinária, ao incluir tais descontos na base de cálculo, usurpou a competência exclusiva de lei complementar, incorrendo em inconstitucionalidade.

O curioso é que, ao analisar a questão da inclusão do frete na base de cálculo do imposto, o STF aplicou por analogia, de forma bastante tranquila, o raciocínio desenvolvido no RE 567.935/SC, reconhecendo de pronto a extrapolação, pela lei ordinária, da base de cálculo definida pelo CTN.

Diante do quadro jurisprudencial que se formou nos Tribunais Superiores, entendemos que os contribuintes do IPI que vêm sofrendo a exigência do imposto sobre base de cálculo composta por valores relativos a frete têm grandes chances de sucesso na busca do afastamento, com efeitos futuros, de tal exigência pelo Judiciário.

A busca por eventual repetição de valores do imposto já pagos, no entanto, não se mostra tão simples, dada a jurisprudência dominante no STJ no sentido de que, para tais casos, aplica-se o art. 166 do CTN e o contribuinte teria de demonstrar que não repercutiu economicamente o valor do tributo para terceiros ou obter autorização dos adquirentes dos produtos para receber tais valores, o que, na prática, se mostra sempre problemático.

Por fim, o STJ já decidiu em casos similares que não é possível aos contribuintes, em vez de pleitear a repetição do indébito, pedir simplesmente o creditamento dos valores do imposto pagos a maior no passado (o que, se realizado, redundaria no contorno das exigências do art. 166 do CTN), eis que a satisfação de tal pleito pelo Judiciário não encontra respaldo na legislação, sendo a ação de repetição de indébito o remédio adequado para o reparo da situação.

A equipe do Baruel e Barreto Advogados está à disposição dos clientes e interessados para dirimir quaisquer dúvidas acerca da questão.

 

Boletim Tributário elaborado em 30 de novembro de 2015 por Romulo Ivan Menezes Oliveira (romulo@baruelbarreto.com.br).

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