Impossibilidade de Cobrança de Débitos de Estimativas de IRPJ e CSLL
A cobrança de estimativas dos contribuintes que estão sujeitos à tributação pelo IRPJ e pela CSLL pela sistemática do lucro real anual cria uma série de discussões, tal como a surgida em decorrência da dificuldade em consolidar tais débitos de estimativas em programas de parcelamentos especiais, como o REFIS. No entanto, antes de qualquer conclusão acerca de tais discussões, deve-se ter como premissa a resposta à seguinte pergunta: débitos de estimativas, após o encerramento do ano-calendário a que se refiram, são devidos?
Antes de responder a tal indagação, deve-se observar que o art. 2º da Lei nº 9.430/96 instituiu a opção de o contribuinte apurar o lucro real em bases anuais, porém mediante o adiantamento mensal, no curso do ano-calendário, de valores calculados com a aplicação da alíquota do imposto[1] sobre um lucro mensal estimado.
As bases de cálculo estimadas, que se prestam ao cálculo mensal das estimativas, não compõem o lucro real, o qual somente deve ser apurado em 31 de dezembro de cada ano. Ou seja, as estimativas pagas mensalmente são, ao final do ano, descontadas do imposto anual, apurado em 31 de dezembro, tendo por base de cálculo o lucro real do contribuinte. Em outras palavras, as estimativas são antecipações do imposto devido anualmente.
Pois é justamente o caráter de antecipação das estimativas que gera dúvida. Se são antecipações, devendo a falta, excesso ou justeza dos pagamentos efetuados ao longo do ano-calendário ser levados em conta quando da apuração do imposto a pagar no fim do período, calculado sobre o lucro real, podem ser elas autonomamente cobradas a posteriori?
Diante dessa dificuldade, a Receita Federal do Brasil (“RFB”) consultou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”) sobre a possibilidade da cobrança e a inscrição em Dívida Ativa da União de débitos de estimativas que tenham sido objeto de Declaração de Compensação (“DCOMP”) não homologada pelo Fisco. Em tal situação, tem-se a não homologação de compensação de débitos de estimativas (que serviram para diminuir o saldo de imposto anual a pagar, na apuração de 31 de dezembro), o que, em princípio, restabeleceria a exigibilidade do crédito e o tornaria apto a ser inscrito em Dívida Ativa e cobrado extra e judicialmente.
Ocorre que a PGFN, por meio do Parecer PGFN/CAT nº 1658/2011[2], estabeleceu que os débitos de estimativas não têm a natureza de obrigação tributária, por não decorrerem de créditos tributários, mas de mera antecipação de tributo, carecendo dos requisitos de liquidez, certeza e, principalmente, exigibilidade, que são essenciais para a inscrição de débitos em Dívida Ativa.
Em outras palavras, entendeu a PGFN que, em decorrência dos fatos geradores ocorridos durante o ano-calendário (aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional - CTN), surge uma e apenas uma obrigação jurídico-tributária e, consequentemente, um e apenas um crédito tributário: o imposto calculado mediante a aplicação da alíquota sobre o lucro real, deduzido de eventuais estimativas pagas durante o ano-calendário a título de adiantamento.
O recolhimento de estimativas, portanto, revela-se mera técnica arrecadatória, na medida em que tem a função de antecipar parcelas do imposto anual. Ou seja, após o término do ano-calendário, as estimativas não podem ser exigidas do contribuinte, pois os efeitos do seu não pagamento se refletem apenas e tão somente (abstraindo-se a eventual exigência da multa isolada) na exigência do imposto de renda anual, apurado com base no lucro real.
No Parecer PGFN/CAT nº 1658/2011 restou estabelecido, ainda, que o fato de a DCOMP ser instrumento hábil para a confissão de débitos tributários não muda o fato de que as estimativas não são, efetivamente, dívidas oriundas de créditos tributários. Nas palavras do referido Parecer, “ainda que a DCOMP se preste à confissão de dívida, tal confissão não tem o poder de transformar a antecipação do tributo (estimativa) em crédito tributário”.
O posicionamento acima foi reiterado no Parecer PGFN/CAT nº 193/2013[3], exarado após novas consultas internas (e da própria RFB) que visavam à apreciação de novos argumentos para a revisão do Parecer PGFN/CAT nº 1658/2011.
O referido Parecer PGFN/CAT nº 193/2013 é extremamente feliz ao analisar a questão, e vai além do parecer anterior, ao abordar o problema da inclusão de estimativas em parcelamentos, notadamente no Refis da Crise e, além de reiterar a linha argumentativa do Parecer PGFN/CAT nº 1658/2011, conclui que não é possível – em hipótese alguma – a inclusão de débitos de estimativas em parcelamento ordinário ou no Refis da Crise, com fundamento na mesma premissa de que é “impossível a realização da cobrança do IRPJ e CSLL devidos por estimativa, haja visto o mesmo não poder ser considerado nem mesmo crédito tributário, quanto mais líquido e certo”.
Como se não bastassem os dois posicionamentos acima, houve, recentemente, a prolação do Parecer PGFN/CAT nº 88/2014[4], por meio do qual se resolveram questões emergentes de situações nas quais a estimativa é compensada, sendo utilizada para composição do ajuste anual, e, posteriormente, a compensação é considerada não homologada ou não declarada pelas Autoridades Fiscais.
Tratando da diferença específica entre seu enfoque e os dos pareceres anteriores, o Parecer PGFN/CAT nº 88/2014 esclarece:
“Tanto o Parecer PGFN/CAT nº 1.658/2011, quanto no Parecer PGFN/CAT nº 193/2013 abordam os valores relativos a estimativa, não analisando a mudança de natureza que ocorre após o ajuste anual, portanto, não vislumbramos nenhuma razão para alteração dos pareceres anteriores, aos quais remetemos para questão das estimativas.”
Independentemente da mudança de enfoque, certo é que, para tirar suas conclusões sobre as diferentes questões que lhe foram postas, a Autoridade Consultada partiu da mesma premissa dos pareceres precedentes: que débitos de estimativas não têm natureza tributária, não são exigíveis, e, mais ainda, não são líquidos nem certos, tornando sem propósito a sua inscrição em Dívida Ativa.
No entanto, o Parecer PGFN/CAT nº 88/2014 deixa claro que, uma vez encerrado o período de apuração, os débitos que antes eram de estimativas podem transformar-se, para todos os efeitos, em débitos do imposto devidos quando da apuração anual (salvo quando o contribuinte apurar saldo negativo).
Tal “transformação”, no entanto, pressupõe as respectivas adaptações (data de vencimento, período de apuração e, eventualmente, valor a ser pago) e deve ser objeto de lançamento de ofício autônomo, no qual devem constar todas as características que evidenciem a natureza de tributo anual, e não de estimativas, da dívida.
Nesse sentido, o entendimento da PGFN se alinhou com a jurisprudência consolidada do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), cuja Súmula nº 82 dispõe que “Após o encerramento do ano-calendário, é incabível lançamento de ofício de IRPJ ou CSLL para exigir estimativas não recolhidas”.
As reiteradas consultas à PGFN pela RFB demonstram o seu inconformismo com a impossibilidade de cobrança de débitos de estimativas. Com efeito, em 2006, a RFB prolatou a Solução de Consulta Interna COSIT nº 18/2006[5], por meio da qual decidiu que as estimativas compensadas por meio de DCOMP que, posteriormente, não fossem homologadas, seriam passíveis de cobrança autônoma e remessa à PGFN para inscrição em Dívida Ativa, o que denota divergência entre os posicionamentos da RFB e da PGFN.
Da prática da advocacia tributária sabe-se ser comum a cobrança de débitos de estimativas em processos de execução fiscal, muitas vezes embasando medidas de constrição do patrimônio dos contribuintes. No entanto, é certo que tais cobranças são indevidas e não podem, de forma alguma, prosperar, conforme decidiu reiteradamente a própria PGFN (que move as execuções fiscais federais).
Deve-se salientar que os referidos Pareceres da PGFN são vinculantes à própria PGFN, mas não vinculam a Receita Federal do Brasil (a menos que sejam objeto de Ato Declaratório aprovado posteriormente pelo Ministro da Fazenda, nos termos do art. 19, inciso II, da Lei nº 10.522/02). Ao contrário, a Solução de Consulta Interna COSIT nº 18/2006 permanece vigente e é vinculante a todos os órgãos da RFB.
Portanto, o cenário atual é o seguinte: a RFB entende que estimativas confessadas em DCOMP não homologadas podem ser cobradas e enviadas para inscrição em Dívida Ativa, enquanto a PGFN, órgão competente para efetuar a referida inscrição e ajuizamento de execução fiscal, entende que não.
Nesse contexto, os contribuintes que têm inscritos em Dívida Ativa débitos de estimativas (que não foram devidamente convertidos em débitos de IRPJ ou CSLL devidos no ajuste anual), incluídos em programas de parcelamentos ou executados judicialmente, podem buscar o cancelamento dessas dívidas e provavelmente não encontrarão resistência da PGFN.
[1] Todas as disposições referentes ao IRPJ são, por força do art. 30 da Lei nº 9.430/95, análogas às da CSLL, de forma que, por simplicidade, far-se-á referência nesse artigo apenas ao imposto sobre a renda.
[2] “Ementa: Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Opção por tributação pelo lucro real anual. Apuração mensal dos tributos por estimativa. Lei nº 9.430, de 27.12.1996. Não pagamento das antecipações mensais. Inclusão destas em Declaração de Compensação (DCOMP) não homologada pelo Fisco. Impossibilidade de inscrição das estimativas em Dívida Ativa da União. Inexistência de crédito tributário. Ausência de certeza e liquidez.”
[3] Ementa: “Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Opção por tributação pelo lucro real anual. Apuração mensal dos tributos por estimativa. Lei nº 9.430, de 27.12.1996. Não pagamento das antecipações mensais. Inclusão destas em Declaração de Compensação (DCOMP) não homologada pelo Fisco. Impossibilidade de inscrição das estimativas em Dívida Ativa da União. Inexistência de crédito tributário. Ausência de certeza e liquidez.”
[4] Ementa: “Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Opção por tributação pelo lucro real anual. Apuração mensal dos tributos por estimativa. Lei nº 9.430, de 27.12.1996. Não pagamento das antecipações mensais. Inclusão destas em Declaração de Compensação (DCOMP) não homologada pelo Fisco. Conversão das estimativas em tributo após ajuste anual. Possibilidade de cobrança.”
[5] Ementa: “Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ
Estimativas. Compensação. Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF). Inscrição em Dívida Ativa da União (DAU). Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Os débitos de estimativas declaradas em DCTF devem ser utilizados para fins de cálculo e cobrança da multa isolada pela falta de pagamento e não devem ser encaminhados para inscrição em Dívida Ativa da União;
Na hipótese de falta de pagamento ou de compensação considerada não declarada, os valores dessas estimativas devem ser glosados quando da apuração do imposto a pagar ou do saldo negativo apurado na DIPJ, devendo ser exigida eventual diferença do IRPJ ou da CSLL a pagar mediante lançamento de ofício, cabendo a aplicação de multa isolada pela falta de pagamento de estimativa.
Na hipótese de compensação não homologada, os débitos serão cobrados com base em Dcomp, e, por conseguinte, não cabe a glosa dessas estimativas na apuração do imposto a pagar ou do saldo negativo apurado na DIPJ.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, art. 44, § 1º, inciso IV ( art. 44, inciso II, alínea “b”, com as alterações da Medida Provisória nº 303, de 29 de julho de 2006) e art. 74, § 2º, e Lei nº10.833, 29 de janeiro de 2003, art. 18, §§ 2º , 3º e 4º, Instruções Normativas SRF nº 93, de 24 de dezembro de 1997 e nº 600, de 28 de dezembro de 2005.”
Boletim Tributário elaborado em 21 de outubro de 2015 por Romulo Ivan Menezes Oliveira (romulo@baruelbarreto.com.br).
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