ITCMD não pode incidir sobre doações e heranças recebidas do exterior
Diversos Estados da Federação vem exigindo o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - ITCMD (em alguns Estados também chamado de ITCD ou, simplesmente, ITD) sobre doações e heranças recebidas do exterior.
Para tanto, um dos instrumentos de fiscalização de que dispõem os Fiscos Estaduais é o acesso, com base em convênios firmados com a Secretaria da Receita Federal do Brasil, às informações das Declarações de Imposto de Renda de Pessoa Física – DIRPF dos contribuintes residentes ou domiciliados em seu território. A partir das doações e heranças recebidas e declaradas pelos contribuintes – que são isentas de imposto de renda –, o Fisco do Estado de residência ou domicílio do contribuinte inicia procedimento fiscal com vistas a exigir o ITCMD, ainda que os bens e direitos sejam provenientes do estrangeiro.
No Estado de São Paulo, por exemplo, em que a alíquota do ITCMD é de 4% (quatro por cento), em regra, sobre o valor venal do bem ou direito transmitido, as exigências podem atingir valores consideráveis, que ainda sofrem o acréscimo de multas e juros de mora.
Tais cobranças são efetuadas pelos Estados com base em dispositivos de suas leis estaduais, como a Lei nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000, do Estado de São Paulo, todavia, sem o necessário amparo na Constituição Federal.
Com efeito, o ITCMD possui matriz constitucional no art. 155, inciso I, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos”.
Repartindo entre os entes federativos a competência para instituição e cobrança do ITCMD, o constituinte adotou, no que tange à transmissão de bens imóveis e respectivos direitos, o critério real, ao estabelecer que o imposto em tela competirá ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal (art. 155, § 1º, inciso I).
Por sua vez, relativamente a bens móveis, títulos e créditos, o constituinte fixou o critério pessoal, de modo que o imposto competirá ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal (art. 155, § 1º, inciso II).
Todavia, nas hipóteses em que (a) o doador tiver domicilio ou residência no exterior; e (b) o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, a Constituição Federal não estabeleceu critério de repartição de competências entre os Estados e o Distrito Federal para instituir e cobrar o ITCMD, estabelecendo apenas que tal competência será regulada por lei complementar (art. 155, § 1º, inciso III, alíneas “a” e “b”)
Isto é, o texto constitucional atribui expressamente ao Congresso Nacional, por via de lei complementar nacional, a função de regular a competência para a instituição do ITCMD nas hipóteses em que haja algum elemento de conexão de que possa decorrer tributação em país estrangeiro, estabelecendo as normas gerais de repartição de competência tributária entre os Estados e o Distrito Federal nas aludidas situações.
Tal lei complementar, entretanto, não foi editada até o presente momento. Disso decorre que os Estados e o Distrito Federal não possuem competência para instituir o ITCMD nas citadas hipóteses de doações em que o doador seja domiciliado no exterior e de heranças e legados em que o falecidopossuía bens, era residente ou domiciliado no exterior ou teve o seu inventário processado no exterior.
Sobre o assunto, há diversos precedentes dos Tribunais pátrios afastando o ITCMD em casos como tais, a exemplo da jurisprudência largamente majoritária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - TJ/SP, cujo Órgão Especial, inclusive, já declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei Estadual nº 10.705/00 – alínea “b” do inciso II do art. 4º – que prevê ser devido o ITCMD sobre doações, heranças e legados de bens corpóreos recebidos do exterior apenas pelo fato de o donatário, herdeiro ou legatário possuir domicílio no Estado de São Paulo (Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000, Rel. Des. Guerrieri Rezende, julgado em 30/03/2011).
No âmbito do Supremo Tribunal Federal - STF, foi, recentemente, reconhecida a repercussão geral do tema nos autos do Recurso Extraordinário (RE) nº 851.108/SP, sob a relatoria do Min. Dias Toffoli, em que se discutirá a possibilidade de os Estados fazerem uso de sua competência legislativa plena, com fulcro no art. 24, § 3º, da Constituição e no art. 34, § 3º, do ADCT, ante a omissão do legislador nacional em estabelecer as normas gerais pertinentes à competência para instituir o ITCMD nas hipóteses previstas no art. 155, § 1º, inciso III, alíneas “a” e “b”, da Constituição.
Em conclusão, no caso de serem surpreendidos com a exigência do ITCMD sobre doações e heranças advindas do exterior, os contribuintes possuem fortes argumentos jurídicos para questionar a cobrança no Judiciário.
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Boletim Tributário elaborado em 12 de agosto de 2015 por Rafael Monteiro Barreto(rafael@baruelbarreto.com.br).
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