Boletim Tributário - Fevereiro de 2022
Temos o prazer de apresentar, a seguir, a edição de fevereiro de 2022 de nosso Boletim Tributário, informativo mensal com o objetivo de divulgar novidades legislativas e jurisprudenciais em matéria tributária.
Nesta edição, apresentamos os seguintes assuntos:
STJ decide que a base de cálculo do ITBI é o valor de mercado declarado pelo contribuinte
TJSP – Decisão impede o Estado de São Paulo de exigir o DIFAL antes de 2023
CSRF permite a dedução de JCP calculados com base na incorporação horizontal
CSRF – 1ª Turma afasta multa qualificada em caso de ágio interno em desempate pró-contribuinte
Nossa equipe fica à disposição para esclarecimentos.
Boa leitura!
PGFN PRORROGA PRAZOS DE ADESÃO ÀS TRANSAÇÕES DO PROGRAMA DE RETOMADA FISCAL E DO PROGRAMA DE REGULARIZAÇÃO FISCAL DE DÉBITOS DO SIMPLES NACIONAL
Conforme noticiamos em artigo específico (clique aqui), foi publicada no dia 25/02/2022, a Portaria PGFN/ME nº 1.701, de 23 de fevereiro de 2022, que prorroga os prazos para negociações de transações envolvendo débitos perante a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
De acordo com a Portaria, a adesão às transações poderá ocorrer até 29 de abril de 2022, inclusive para os contribuintes com transações já vigentes (repactuação) e poderão ser negociados os débitos inscritos na Dívida Ativa da União até 25 de fevereiro de 2022, inclusive perante o FGTS.
STF AINDA DECIDIRÁ SOBRE A INCIDÊNCIA DE IRPF SOBRE AS IMPORTÂNCIAS RECEBIDAS A TÍTULO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA
No último dia 10 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) retirou do julgamento virtual, em razão de pedido de destaque do Ministro Gilmar Mendes, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5422, que discute a incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre valores decorrentes do direito de família percebidos pelos alimentados a título de alimentos ou de pensões alimentícias.
O julgamento já havia formado maioria de votos contra a incidência do imposto, mas deverá ser reiniciado presencialmente.
Em síntese, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) ajuizou a ação alegando que a incidência do IRPF sobre pensão alimentícia afronta o princípio constitucional do mínimo existencial e da Emenda Constitucional nº 64/2010, que alterou o artigo 6º da Constituição da República, introduzindo a alimentação como um direito social. Assim, em atenção à dignidade do alimentando, a pensão não poderia ser considerada renda ou acréscimo patrimonial. Para mais, o IBDFAM alegou que a renda utilizada para a prestação da pensão alimentícia já é devidamente tributada quando ingressa no acervo do devedor de alimentos.
Ao julgar a ADI procedente, o Ministro Relator Dias Toffoli invocou o princípio que veda a bitributação, afirmando que “o recebimento de renda ou de provento de qualquer natureza pelo alimentante, de onde ele retira a parcela a ser paga ao credor dos alimentos, já configura fato gerador do imposto de renda”. Nesse cenário, os Ministros Alexandre de Morais e Roberto Barroso reforçaram a necessidade da observância dos direitos fundamentais e do mínimo existencial na atividade tributante do Estado. No mesmo sentido, os Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber reafirmaram o posicionamento adotado pelo relator.
Assim, pelo cenário atual, espera-se que, com o reinício do julgamento presencialmente, os ministros afastem definitivamente a incidência do IRPF sobre as importâncias recebidas a título de pensão alimentícia.
STF RECONHECE EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL SOBRE A EXCLUSÃO DO PIS E COFINS DA BASE DE CÁLCULO DA CPRB
Em 18/02/2022, foi publicado o acórdão do Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu, por unanimidade, a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 1.341.464/CE, Tema 1186 da repercussão geral. O recurso discute a questão relacionada à exclusão dos valores relativos ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) da base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB).
O Ministro Presidente, Luiz Fux, relator do caso, considerou que a matéria possui densidade constitucional para o reconhecimento da existência de repercussão geral. Em continuidade, justificando sua decisão, o magistrado defendeu a transcendência da matéria dos limites subjetivos da causa e sua relevância sob a perspectiva econômica, social e jurídica. Os demais ministros acompanharam o voto do relator.
Assim sendo, a matéria aguarda inclusão do tema em pauta para a análise do mérito, sem data ainda definida.
STJ DECIDE QUE A BASE DE CÁLCULO DO ITBI É O VALOR DE MERCADO DECLARADO PELO CONTRIBUINTE
Em 24 de fevereiro de 2022, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalizou o julgamento do Recurso Especial (REsp) n° 1.937.821/SP, em sede de recursos repetitivos (Tema 1.113), declarando, por unanimidade, que a base de cálculo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) não está vinculado à base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e nem ao “valor venal de referência” previamente fixado pela administração pública, devendo ser aferido sobre o valor de mercado de cada imóvel transacionado tal como declarado pelo contribuinte.
Para os Ministros, diante do princípio da boa-fé objetiva, o valor da transação declarada pelo contribuinte presume-se condizente como valor médio de mercado do bem imóvel transacionado, presunção que somente pode ser afastada pelo Fisco municipal se esse valor se mostrar incompatível com a realidade, por meio de instauração de processo administrativo, devendo ser assegurado ao contribuinte o contraditório.
Ainda, restou estabelecido que, diante das duas modalidades de lançamento originário – por declaração ou por homologação – que comporta o ITBI, o valor de referência previamente estabelecido pela Administração Pública configura indevido lançamento de ofício por mera estimativa e subverte o procedimento instituído no art. 148 do Código Tributário Nacional (CTN), pois representa arbitramento da base de cálculo sem prévio juízo quanto à fidedignidade da declaração do sujeito passivo.
Por fim, a Primeira Seção do STJ entendeu pela impossibilidade de vinculação da base cálculo do ITBI à estipulada para o IPTU, pois o valor adotado para fins de IPTU considera, apenas, os critérios fixados na Planta Genérica de Valores, que contém aspectos mais amplos e objetivos. Já no ITBI a base de cálculo deve considerar o valor de mercado, resultante de uma gama maior de fatores, tais como benfeitorias, o estado de conservação e os interesses pessoais do vendedor e do comprador.
Dessa forma, restaram fixadas as seguintes teses para o Tema 1.113 dos Recursos Repetitivos:
a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);
c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.
Tal entendimento, portanto, deverá promover uma alteração na jurisprudência de tribunais estaduais, como a que prevalecia no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), inclusive fixada em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), no sentido de que o ITBI deveria ser calculado sobre o valor efetivo da transação imobiliária realizada ou o valor venal do imóvel para fins de IPTU, o que fosse maior.
TJSP – DECISÃO IMPEDE O ESTADO DE SÃO PAULO DE EXIGIR O DIFAL ANTES DE 2023
Em recente decisão monocrática, Desembargador Relator da 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) manteve a decisão liminar que impede o Estado de São Paulo de exigir o Diferencial de Alíquotas do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (DIFAL/ICMS) antes de 1º de janeiro de 2023.
O caso, que envolve uma indústria química, versa sobre Agravo de Instrumento interposto pelo Estado de São Paulo, no qual alega que o princípio da anterioridade deve ser observado a partir da data de publicação da Lei nº 14.470/2021, de dezembro de 2021, que instituiu o DIFAL para o Estado, e não da Lei Complementar nº 190/2022, de 05/01/2022, que, segundo argumenta, apenas prevê normas gerais acerca do tributo. Assim, de acordo com o entendimento fazendário, observadas a anterioridade nonagesimal e anual, o DIFAL poderia ser exigido a partir de 1º de abril de 2022. Subsidiariamente, o Estado alega que, na hipótese de se observar o art. 3º da Lei Complementar, que trata apenas da anterioridade nonagesimal, a cobrança estaria autorizada a partir de 05/04/2022.
Entretanto, o Desembargador Relator considerou que, ao editar a Lei nº 14.470/2021, o Estado de São Paulo deveria ter observado o princípio da anterioridade anual e a partir da edição da Lei Complementar nº 190/2022, razão pela qual negou a antecipação da tutela requerida para manter a decisão liminar que afastou a cobrança do DIFAL antes de 1º de janeiro de 2023.
Conforme veiculado em nosso Boletim Tributário de janeiro de 2022, o Estado de São Paulo já se expediu o Comunicado da Coordenadoria da Administração Tributária nº 02, de 28/01/2022, esclarecendo que passará a exigir o DIFAL a partir de 1º de abril de 2022. Desta forma, os contribuintes que pretendem afastar a exigência até o exercício de 2023 devem ingressar com ação judicial visando a obtenção de decisão autorizativa.
CSRF PERMITE A DEDUÇÃO DE JCP CALCULADOS COM BASE NA INCORPORAÇÃO HORIZONTAL
A 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) se posicionou pela dedutibilidade de Juros Sobre Capital Próprio (JCP), aferido com base no patrimônio líquido originado de incorporação horizontal. A votação do órgão restou empatada e, assim, foi decidida favoravelmente ao contribuinte.
Com essa decisão, a CSRF permitiu que os saldos das contas de lucros acumulados e reservas de lucros de companhia incorporada, absorvidos pela companhia incorporadora em operação de incorporação “linha a linha” sejam considerados para aferição do limite de distribuição de JCP. Como se sabe, o § 1º do art. 9º da Lei nº 9.249/ 1995 impõe que os JCP a serem distribuídos ou creditados aos acionistas devem ter como limite a metade do valor existente de lucro corrente, acumulado ou de reserva de lucros da Companhia, de modo que a utilização dos saldos das referidas contas da companhia incorporada eleva o limite de distribuição de JCP.
No caso analisado, que teve sua origem no Processo Administrativo nº 16327.001538/2010-79, a Incorporadora havia realizado o cálculo dos JCP, com base na incorporação horizontal, ou “linha a linha”, em que os valores existentes nas contas de lucro acumulado e reserva de lucros da Incorporada são somados ao montante existente nas mesmas contas da Incorporadora. Ao se deparar com tal situação, a Fiscalização entendeu que houve distribuição de JCP em excesso, pois tal modalidade de incorporação não encontraria respaldo legal, e, assim, glosou os valores deduzidos em excesso pelo contribuinte.
O CARF, em acórdão de relatoria do Conselheiro Antonio Bezerra Neto, manteve a glosa dos valores deduzidos, por entender que o total do patrimônio líquido da companhia incorporada deveria ser revertido para o capital social da companhia incorporada, segundo interpretação do art. 226 da Lei das S/A, de modo que seria inaceitável a incorporação linha a linha.
Na CSRF, tal posicionamento, entretanto, foi revertido. Inicialmente, o relator, Conselheiro Fernando Brasil de Oliveira Pinto, posicionou-se contra a dedutibilidade dos JCP apurados com base em incorporação horizontal, pois quando uma empresa é incorporada, sua contabilidade deixa de existir, de tal sorte que a incorporação deve ser realizada mediante aumento de capital social da incorporadora, pelo valor do patrimônio líquido total da incorporada, o que deve ser observado para fins de cálculo do limite de distribuição de JCP.
Contudo, a Conselheira Lívia de Carli Germano abriu divergência em razão de inexistir qualquer vedação legal à incorporação horizontal, o que permitiria a soma dos saldos de reservas de lucros e de lucros acumulados, aumentando-se o limite de distribuição de JCP. Tal posição saiu vencedora ao fim do julgamento, com o empate entre os demais conselheiros, em virtude de esse empate favorecer o contribuinte por força do art. 19-E da Lei nº 10.522/02, incluído pela Lei nº 13.988/2020.
O precedente, além de demonstrar o efeito positivo da incorporação linha a linha para o pagamento de JCP, valida a utilização dessa forma de contabilização de reestruturações societárias, que traz diversos efeitos positivos para a companhia e sócio e é muito comumente utilizada na prática.
CSRF – 1ª TURMA AFASTA MULTA QUALIFICADA EM CASO DE ÁGIO INTERNO EM DESEMPATE PRÓ-CONTRIBUINTE
No último dia 09.02.2022, ao julgar o Processo Administrativo nº 10980.723835/2014-11, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) afastou a qualificação da multa de ofício em caso de amortização de ágio interno, o qual havia sido gerado em decorrência de reestruturação societária dentro de um mesmo grupo econômico.
No caso concreto, foram lavrados Autos de Infração contra empresa do setor farmacêutico, relativos a IRPJ e CSLL dos anos-calendário 2008 e 2009, em que o Fisco entendeu que o contribuinte amortizou indevidamente o ágio interno apurado por meio de empresa veículo.
Até a edição da Lei nº 12.973/2014, não havia disposição expressa na legislação tributária que vedasse o aproveitamento de ágio nas operações de aquisição de participação societária entre partes dependentes, mas a jurisprudência pacífica do CARF era contrária ao aproveitamento do ágio nessas hipóteses.
O Fisco federal, seguindo a orientação da RFB para o combate de planejamentos tributários abusivos envolvendo reestruturações societárias, condena o aproveitamento de ágio interno e presume a existência de simulação e fraude em tais operações, o que leva à imposição de multa majorada equivalente a 150% dos principais de tributos lançados na autuação fiscal.
Para o Conselheiro Relator, Caio Cesar Nader Quintella, não podem ser aplicadas ao ágio interno as mesmas consequências da sonegação, fraude ou conluio, as quais demandam comprovação por meios tangíveis e materiais e, portanto, não podem ser presumidas. Adicionalmente, o Conselheiro Relator admitiu ainda que havia divergência sobre os requisitos legais para a dedução do ágio interno, especialmente com relação a fatos ocorridos antes da publicação da Lei nº 12.973/2014, o que reforça a argumentação de que não seria possível presumir a existência de fraude necessária à imposição da multa qualificada.
A Conselheira Edeli Bessa abriu divergência quanto ao ponto, entendendo que o caso concreto tem um conjunto de circunstâncias que aponta a artificialidade do ágio, o que justificaria a qualificação da multa. A Conselheira ainda observou que ao realizar o ágio, os Juros sobre o Capital Próprio (JCP) distribuídos pela empresa aumentaram e o lucro da companhia para fins tributáveis diminui, o que para ela restou em atitude ilícita, pelo fato de parte dos lucros distribuídos ter origem na redução da CSLL e IRPJ.
A divergência foi acompanhada por outros três conselheiros da Turma e, com o empate, o julgamento restou favorável ao contribuinte, por força do art. 19-E da Lei nº 10.522/02, incluído pela Lei nº 13.988/2020.
O acórdão do caso ainda não foi publicado.