Análise da primeira etapa do projeto de Reforma Tributária apresentado pelo Governo Federal

Em 21 de julho de 2020, o Poder Executivo Federal, por meio do Ministro da Economia Paulo Guedes, apresentou o Projeto de Lei (PL) nº 3887/2020, que cria a Contribuição sobre as Operações com Bens e Serviços (CBS) em substituição às Contribuições ao Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).

Esse primeiro projeto de lei proposto pelo Governo Federal faz parte da estratégia de apresentação de uma Reforma Tributária em formato modular, ou seja, ao invés de apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) completa, o Governo irá apresentar projetos em quatro etapas, sendo a primeira delas a criação da CBS. Essa apresentação por etapas visa agilizar o ritmo de aprovação da Reforma Tributária, permitindo que o Congresso analise questões pontuais a cada votação e evitando que o desgaste político com os demais Entes Federativos obstrua a conclusão da Reforma.

Antes de adentrar as especificações da nova contribuição, é importante destacar que a primeira etapa da Reforma proposta pelo Governo não conflita com as PEC’s 45/2019 e 110/2019, propostas de Reforma que estão mais avançadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, respectivamente. Segundo informações do Ministério da Economia, caso aprovado, o PL 3887/2020 posteriormente se integraria as propostas já em andamento.

A CBS proposta pelo Governo possui duas hipóteses de incidência: (i) sobre a receita bruta decorrente da venda de bens, prestação de serviços ou demais receitas decorrentes da atividade da pessoa jurídica (CBS-Receita); e (ii) sobre a importação de bens e serviços (CBS-Importação).

Em relação à CBS sobre a receita bruta, pode-se destacar como principal característica o objetivo do Governo de instituir, no Brasil, uma versão do imposto sobre valor agregado (IVA) utilizado mundialmente. Nesse sentido, a contribuição incide a uma alíquota de 12% (doze por cento) sobre a base de cálculo composta pela totalidade da receita bruta, excluindo-se o valor pago a título de ICMS, ISS e da própria CBS (art. 7º do PL 3887/2020).

A CBS-Receita será apurada e recolhida mensalmente, permitindo, no mesmo período de apuração, que o contribuinte se credite dos valores da CBS-Receita e da CBS-Importação já recolhidos e destacados no documento fiscal (art. 9º), bem como dos valores de CBS retidos pelo pagador (art. 56).

Em geral, o PL 3887/2020 prevê os seguintes tratamentos diferenciados no recolhimento da CBS:

  • Incidência monofásica para as receitas decorrentes combustíveis em geral e cigarros, cabendo aos produtores e importadores o recolhimento da CBS mediante aplicação de alíquotas diferenciadas de acordo com o produto, na forma do Anexo II do Projeto de Lei.

  • Alíquota de 5,8% para as instituições financeiras sem a possibilidade de apropriação de créditos, “em razão de especificidades que dificultam a tributação do valor adicionado em cada operação”, conforme esclarecido na Exposição de Motivos nº 274/2020.

Em relação às imunidades e isenções, o PL 3887/2020 prevê a imunidade das entidades beneficentes de assistência social e a isenção tanto pelo critério pessoal, para os contribuintes como templos, partidos políticos e sindicatos (art. 21), quanto pelo critério material,  isenção das receitas decorrentes de: prestação de serviços de saúde do SUS, prestação de serviço de transporte público coletivo municipal, atos praticados entre cooperativas e associados, venda de produtos in natura, venda de bens para a Zona Franca de Manaus (ZFM) ou para Área de Livre Comércio (ALC),  entre outras previsões dos arts. 21 a 26.

Ainda no que se refere à CBS sobre a receita bruta, o Projeto prevê a possibilidade de compensação dos créditos excedentes da CBS com outros tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB) ou de pedido de ressarcimento dos valores, desde que inexistentes débitos da própria contribuição.

O PL 3887/2020 também inova ao determinar a responsabilidade das plataformas digitais, assim entendidas como pessoas jurídicas que atuam como intermediária entre fornecedor e adquirente em operações não presenciais, de recolher a CBS nas hipóteses em que o vendedor não emitir a nota fiscal eletrônica (arts. 5º e 6º).

Em relação à CBS-Importação, a proposta do Governo Federal propõe a incidência de alíquota de 12% (doze por cento) sobre o valor aduaneiro, com exceção dos produtos sujeitos à incidência monofásica da CBS-Receita, que estão sujeitos às alíquotas especificadas no Anexo II do PL. No caso da Importação, os contribuintes estabelecidos pelo art. 64 do PL 3887/2020 (importador, destinatário de remessa internacional nos moldes do Regime de Tributação Simplificada, ou o adquirente do bem entrepostado) devem recolher a CBS na data de registro de Declaração de Importação ou na data de vencimento do prazo de permanência dos bens no recinto.

Em relação à responsabilidade solidária, o PL 3887/2020 também inova ao determinar que as plataformas digitais, ainda que domiciliadas no exterior, sejam responsabilizadas mediante cadastro na RFB.

Por fim, o PL 3887/2020 estabelece multas como:

  • 1% (um por cento) sobre o valor da operação em decorrência da falta de destaque ou do destaque a menor da CBS no documento fiscal;

  • 100% (cem por cento) do valor da CBS indevidamente destacado, quando houver destaque no documento fiscal maior do que a CBS incidente sobre a operação, inclusive na hipótese de operações não sujeitas à incidência ou beneficiadas com isenção, suspensão ou alíquota zero da CBS;

  • 2% (dois por cento) por mês-calendário ou fração, incidente sobre o valor da CBS devida no período de apuração, na hipótese de falta de apresentação da escrituração fiscal digital relativa à CBS ou de sua apresentação após o prazo, limitada a 20% (vinte por cento) da CBS devida no período de apuração; e

  • 3% (três por cento) incidente sobre o valor das transações comerciais ou operações financeiras próprias das pessoas jurídicas ou de terceiros em relação aos quais seja responsável tributário, na hipótese de a referida escrituração ser apresentada com informação omitida, inexata ou incompleta, também limitada a 20% (vinte por cento) da CBS devida no período de apuração.

Por fim, fazemos especial destaque para o fato de que as considerações ora expostas são preliminares, tendo em vista que o PL 3887/2020 ainda sofrerá alterações decorrentes de seu trâmite no Poder Legislativo, sobretudo porque ainda pairam dúvidas acerca da tributação, dentre outros, de:

  • Resultado positivo pelo reconhecimento do investimento a patrimônio líquido (MEP);

  • Venda de bens móveis ou imóveis do ativo imobilizado;

  • Alienação de participações societárias etc.

Permanecemos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários.

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