Uma breve análise sobre os riscos e possibilidades de pagamento de PLR em ações
João Luiz Vidal Junior
I. Introdução
A participação dos empregados nos lucros e resultados da empresa empregadora é direito fundamental do trabalhador assegurado pelo art. 7º, inciso XI, da Constituição Federal[1]. Em uma sociedade de modelo dinâmico do capital, o pagamento de verbas, a título de Participação nos Lucros e Resultados (“PLR”), constitui verdadeiro mecanismo de incentivo à produtividade e atração de mão de obra qualificada, bem como consiste em modalidade de pagamento atraente às empresas, pois desonerada de muitos dos encargos trabalhistas e tributários.
Desse modo, o constituinte ao dispor que consiste em direito do trabalhador “participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração (...)”, consagrou que o objetivo precípuo do instituto é a integração do capital e trabalho. Nessa linha, felizes foram as palavras de Castro Jr., Pires e Ribeiro[2] ao asseverarem que: “A finalidade da PLR é promover a maior integração entre o capital e o trabalho, mediante a livre negociação entre empregador e empregados, devidamente assistidos pelo sindicato”.
Sendo uma ferramenta integrativa entre o capital e o trabalho, não faria sentido que a PLR tivesse natureza remuneratória, pois conforme ensinamento de Carlos Henrique de Bezerra Leite, partindo da lição de Pontes de Miranda, a “participação nos lucros é um instrumento que incentiva a produtividade, evita greves, reduz as desconfianças e permite melhor funcionamento das democracias”[3].
A PLR, além de poder ser deduzida do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) pelos contribuintes sujeitos à apuração pelo Lucro Real, não é considerada verba remuneratória e, por isso, seu pagamento também não repercute nas gratificações, percentagens, comissões, abonos, adicionais, diárias, nem atraem a incidência dos encargos sociais e previdenciários como FGTS, PIS e INSS.
Nesse contexto de ser um incentivo à produtividade, posto que um de seus requisitos é ser uma verba condicionada à existência de lucro, além de estar atrelada ao desempenho de seu beneficiário, muitas empresas vêm adotando a cessão de ações aos seus empregados como forma de pagamento da PLR.
Diante disso, exsurgem questionamentos a respeito da possibilidade em realizar o pagamento da PLR por meio da cessão de ações do próprio empregador, verificando se existe alguma vedação legal, bem como analisar de qual forma a Receita Federal do Brasil (“RFB”) observa tal possibilidade.
Ademais, cumpre ainda esclarecer as diferenças do pagamento de PLR via cessão de ações dos programas de stock option
II. Legislação e posicionamento da Receita Federal do Brasil
A primeira aparição da PLR, em âmbito constitucional, ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de 1946, quando a distribuição da verba pelas empresas aos seus empregados era de cunho obrigatório. Em que pese tal obrigatoriedade, a norma, assim como a atual, era de eficácia contida e, portanto, dependia de edição de lei ordinária para sua regulamentação, o que jamais veio a ocorrer.
Posteriormente, tanto no texto constitucional de 1967, como em sua reforma em 1969, havia previsão da PLR – tirando-se apenas o seu caráter compulsório. Todavia, mais uma vez não sobreveio a norma regulamentadora e o instituto deixou de ser implementado nas relações de trabalho no país.
Finalmente, a Constituição Federal de 1988, como sabido, também trouxe a previsão da PLR aos trabalhadores urbanos e rurais. Ocorre que, diversamente das inócuas previsões constitucionais anteriores, sobreveio a edição da norma regulamentadora. Inicialmente, via Medida Provisória nº 794/1994 que, após mais de setenta renovações, tornou-se a Lei 10.101/2000.
Desse modo, referido diploma traz uma série de regras para a distribuição de PLR, dentre as quais podem se destacar (i) o estabelecimento do plano de PLR deve ser objeto de deliberação de comissão paritária (formada por empregados e empresas) ou via acordo ou convenção sindical; (ii) o instrumento jurídico que formaliza a PLR deve conter regras claras e objetivas para sua concessão, como a indicação de índices de produtividade e lucratividade, bem como metas e resultados; e (iii) a vedação de pagamento de PLR por mais de duas vezes ao ano, bem como proibição de sua distribuição em um período inferior a um trimestre.
Da análise da Lei 10.101/2000, o que logo se percebe é a nítida preocupação do legislador em garantir que não haja o desvirtuamento do pagamento de PLR para que esse se torne mero complemento salarial ao trabalhador. Assim, as regras trazidas por tal veículo normativo estipulam aspectos formais – periodicidade e formatação do conclave que define as regras de sua distribuição -, e aspectos materiais – regras claras e objetivas que promovam a maior produtividade da empresa e a forma como será realizada a participação dos trabalhadores nos lucros e resultados.
A atinência ao regramento da Lei 10.101/2000 é essencial para aplicação da norma isentiva prevista no art. 28, §9º, alínea “j” da Lei 8.212/1991, que diz que não integra o salário-contribuição “a participação nos lucros ou resultados da empresa, quando paga ou creditada de acordo com lei específica”. Assim, para que haja afastamento das contribuições previdenciárias é de suma relevância que sejam observados os comandos dispostos na norma que regulamenta a distribuição de PLR.
Inobstante ao acentuado grau de detalhamento dos requisitos para instituição do plano de PLR previsto na Lei 10.101/2000, inexiste qualquer previsão em referido diploma que obste o pagamento de referida verba por meio de cessão de ações emitidas pela própria empregadora. Deveras, como ensinam Castro Jr., Pires e Ribeiro, “A Lei 10.101/2000, ao introduzir os requisitos materiais do plano de PLR, não o fez de forma exaustiva. Deu-se primazia à plena liberdade negocial das partes envolvidas, tendo como norte interpretativo a finalidade do instituto, que é a maior integração do capital e trabalho”[4].
Nessa senda, coloca-se que o pagamento de PLR mediante ações não encontra ainda qualquer obstáculo na legislação trabalhista, pois o art. 457, §4º da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) admite, por exemplo, que os prêmios sejam pagos na “forma de bens, serviços ou valor em dinheiro”.
Igualmente, na legislação previdenciária, mais especificamente no art. 22, inciso I, da Lei nº 8.212/1991, entende-se que a remuneração paga, devida ou creditada “sob a forma de utilidades” a segurados empregados e trabalhadores avulsos compõe a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal.
Por fim, em matéria tributária, o art. 1.039 do Decreto nº 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda – “RIR”) diz que, para fins de tributação pelo imposto de renda, “os rendimentos em espécie serão avaliados em dinheiro, pelo valor que tiverem na data da percepção”, bem como o art. 3º, §4, da Lei 7.713/1988 prevê que constituem rendimentos os benefícios percebidos pelo contribuinte “por qualquer forma e a qualquer título”.
Veja-se, portanto, que na legislação esparsa – que versa de matérias diversas como trabalhista, previdenciária e tributária – admite-se que os pagamentos de prêmio, de remuneração pelo trabalho e de rendimentos tributáveis consistam em valores não pecuniários, mas realizados na forma de bens ou outras utilidades, o que somente reforça a possibilidade de que a PLR seja paga em ações.
Em sendo assim, nada mais integrativo do capital e trabalho que tornar o empregado acionista da empresa. Mais ainda, pode se dizer que o pagamento da PLR via cessão de ações é um grande incentivo ao trabalhador ser produtivo, pois os esforços imbuídos no desenvolvimento de seu labor o agraciarão duplamente, pois quanto mais lucrativa a empresa, maior será sua PLR, e quanto mais rentáveis os negócios, mais valoradas as ações da companhia, das quais terá uma parcela.
Ao analisar a questão, a 1ª Turma Ordinária do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), no acórdão nº 2401003.055, assim se pronunciou sobre o assunto: “(...) a lei de regência não veda que o pagamento da PLR seja feito em ações. De se verificar que os pagamentos em pecúnia ou em ações não alteram a natureza da verba, qual seja a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa”[5].
Em outras palavras, o pagamento da PLR em ações, per si, não desnatura a bonificação, desde que estejam contemplados os demais requisitos legais para sua distribuição.
Nessa linha, mais recentemente, a Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal do Brasil (“Cosit”) não impôs nenhum óbice ao pagamento de PLR em ações e igualou sua distribuição ao pagamento em bens. O posicionamento foi exarado por meio da Solução de Consulta nº 171 de 27 de setembro de 2021, em que o órgão enfrentou questionamento acerca da sujeição de tais pagamentos à tributação do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (“IRRF”).
Na ocasião, a Cosit entendeu que “Para os efeitos tributários, relativamente aos beneficiários das ações, tem-se nessa quantidade de ações recebidas um bem que acarretará acréscimo patrimonial, configurando o fato gerador do Imposto sobre a Renda”. E, em sendo assim, “quando da entrega das ações ao empregado beneficiário”, fica a fonte pagadora – empregadora – responsável pela retenção do imposto sobre a renda, conforme §5º a 11 do art. 3º da Lei 10.101/2000.
O órgão então enfatizou que “O fato de a participação nos lucros e resultados estar sendo recebida na forma de bens (valores mobiliários), não afasta a ocorrência do fato gerador [do IRRF]” e esclareceu que, para efetuação da retenção, a fonte pagadora deve dispender o mesmo tratamento dado ao pagamento em bens, isto é, “os bens objetos de pagamento devem ser avaliados em dinheiro pelo valor que tiverem na data do recebimento, tal como prevê o art. 1.039 do RIR/2018”.
Para o pagamento da PLR em ações, a Cosit orientou que a retenção do IRRF pode ser procedida de duas maneiras, quais sejam, (i) retenção de parcela das ações que seriam destinadas aos empregados no valor do IRRF devido; ou (ii) quando o valor é pago em dinheiro e em ação, o IRRF devido sobre o total de PLR incidiria somente sobre o valor em pecúnia.
Nesse aspecto, alertam Caio Alexandre Taniguchi Marques e Luiz Fernando Goedert Leite que quando há a retenção de IRRF na proporção das ações distribuídas, “a empresa deveria dar a ordem de transferência ao escriturador somente da parcela das ações líquidas de tributação, retendo consigo as ações equivalentes ao IRRF para fazer a contrapartida à saída de caixa do recolhimento do imposto”[6].
Outro alerta importante realizado pelos referidos autores diz respeito ao aspecto societário da disponibilização da PLR em ações, notadamente quando se trata a sociedades anônimas, pois, em primeiro, “de acordo com a Lei das SA, qualquer plano de entrega de ações a empregadores deve ser submetido à aprovação prévia dos acionistas em assembleia geral” e, em segundo, “(...) se a empresa deve e pode manter ações em tesouraria para fazer frente a esse compromisso de entregar as ações”[7], uma vez que, em regra, as ações já emitidas são de titularidades dos acionistas, devendo haver ações “sobressalente” para sua distribuição mantida em tesouraria.
Em conclusão a esse tópico, não se observa qualquer óbice legal ao pagamento de PLR por meio de cessão de ações. Os posicionamentos do CARF e da RFB, embora esparsos, dão alguma tranquilidade nessa assunção, especialmente, o exarado via Solução de Consulta nº 171/2021, pois, tal entendimento tem efeito vinculante no âmbito da RFB nos termos da Instrução Normativa nº 2.058/2021[8].
III. PLR x Stock Options
Como visto anteriormente, a PLR é uma verba que visa a integração entre trabalho e capital e, por isso, é atrelada à produtividade do trabalhador e à existência de lucro por parte da empresa. Nesse contexto, ainda que o pagamento da PLR seja realizado via cessão de ações, essa não se confunde com o plano de stock options.
O plano de stock options consiste em um benefício que muitas empresas oferecem aos seus funcionários, por meio do qual é garantido o direito de que esses possam adquirir, em data futura, ações emitidas pela empresa empregadora ou sua controladora, a um preço previamente estipulado e no limite de um prazo especificado anteriormente, observando os critérios fixados no momento da outorga do direito de aquisição dos referidos títulos.
Acerca desse instituto, Felipe Lorenzi de Britto ensina que o plano de stock options apresente alguns requisitos básicos, quais sejam:
(I) o preço de exercício, que é o preço pelo qual o empregado tem o direito de exercer sua opção (exercise price), devendo ser determinado ou determinável; (II) o prazo de carência (vesting period) ou as condições pré-estabelecidas (vesting condition) para aquisição das condições de exercício de opção e (III) o termo de opção, que é o prazo máximo para o exercício da opção de compra da ação (expiration date)[9].
Com efeito, logo se percebe que, embora tanto a PLR paga em ações como o plano de stock options, sejam benefícios que tornam os trabalhadores da companhia em seus acionistas, os institutos são diversos, pois enquanto na participação nos lucros e resultados há a efetiva cessão dos referidos títulos em decorrência de metas alcançadas, no plano de stock options, há apenas uma possibilidade de aquisição da ação que pode ser inclusive onerosa – caso de stock options com natureza mercantil.
Ademais, a não incidência das contribuições previdenciárias sobre as verbas revertidas em prol do empregado a título de stock options se tornam ainda mais problemáticas que àquelas realizadas via PLR, em virtude de ausência de previsão isentiva expressa, pois, como já dito anteriormente, o art. 28, §9º, alínea “j” da Lei 8.212/1991[10] diz expressamente que a participação nos lucros e nos resultados não integram o salário contribuição, não havendo igual previsão para as stock options.
Destarte, embora institutos semelhantes em alguns aspectos, tratam de benefícios diversos oferecidos aos trabalhadores, podendo inclusive ser ofertados em conjunto, o que, evidentemente, deve ser feito em observância às peculiaridades e regramentos intrínsecos a cada uma dessas modalidades.
IV. Conclusão
Na linha do acima aclarado, inexiste qualquer óbice para que a empresa ofereça um plano de PLR baseado em pagamento de ações, existindo posicionamentos favoráveis do CARF e da própria RFB no sentido de sua possibilidade. Ademais, a natureza da PLR, em vista de sua vocação em integrar capital e trabalho, é de perfeito encaixe com um plano que redunde em tornar o trabalhador acionista da companhia.
Os regramentos que devem ser observados para o plano de PLR pago em ações são idênticos àqueles cujo pagamento ocorre em dinheiro, em que deve ser garantido que tal verba condicione-se ao lucro da empresa pagadora, bem como promova a maior produtividade do trabalhador, devendo haver métricas claras e objetivas para sua distribuição.
Ademais, conforme também acima elucidado, a PLR paga em ações não se confunde com os planos de stock options, pois enquanto a primeira há efetiva cessão das ações em prol do trabalhador em razão das metas alcançadas, a segunda consiste em uma vantagem na aquisição de tais títulos, com a cessão ocorrendo apenas caso o trabalhador exerça a opção tal como firmado no instrumento de instituição do benefício.
Em conclusão, o pagamento da PLR em ações não apenas é possível, frente à legislação pertinente e conforme posicionamento da RFB, como traduz o verdadeiro espírito do constituinte em realizar a integração entre capital e trabalho em prol da promoção da livre inciativa e livre mercado.
[1] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
[2] CASTRO JR., Paulo Honório de; PIRES, Rodrigo; RIBEIRO, Gabriela Cristina. Diretrizes Conservadoras para um Plano de Participação nos Lucros e Resultados. Revista Dialética de Direito Tributário, 242, p.72/85, novembro de 2015.
[3] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho – 14. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022 – Livro Digital não paginável.
[4] Op. Cit. CASTRO JR., Paulo Honório de; PIRES, Rodrigo; RIBEIRO, Gabriela Cristina (11/2015) p. 80
[5] Processo Administrativo nº 16327.720469/201004, Acórdão nº 2401003.055 – 4ª Câmara/1ª Turma Ordinária – Relator 16327.720469/201004, Relator: Conselheiro Kleber Ferreira de Araújo, Redator Designado: Rycardo Henrique Magalhães de Oliveira, sessão de julgamento em 18/06/2013.
[6] LEITE, Luiz Fernando Goedert; e MARQUES, Caio Alexandre Taniguchi. Possibilidade de pagamento de participação nos lucros ou resultados in ACKEL, Pedro Teixeira Leite. PLR – Novas e antigas discussões sobre PLR – Leme-SP, Mizuno, 2023- p. 127.
[7] LEITE, Luiz Fernando Goedert; e MARQUES, Caio Alexandre Taniguchi(2023) – p. 125
[8] Art. 33. As soluções de consulta proferidas pela Cosit, a partir da data de sua publicação:
I - têm efeito vinculante no âmbito da RFB; e
II - respaldam o sujeito passivo que as aplicar, ainda que não seja o respectivo consulente, desde que se enquadre na hipótese por elas abrangida, sem prejuízo da verificação de seu efetivo enquadramento pela autoridade fiscal em procedimento de fiscalização.
[9] BRITTO, Felipe Lorenzi de in BRITTO, Felipe Lorenzi di; BUENO, Iva Maria Souza; FIGUEIREDO, Fernanda Balieiro. Stock options: os planos de opção de compra de ações. --São Paulo: Almedina, 2017 – Livro Digital não paginável.
[10] Há ainda a discussão se as verbas de PLR não seriam imunes quanto às contribuições previdenciárias, uma vez que o art. 7º, inciso XI estabelece expressamente que tais valores não têm natureza remuneratória.