Perse - Receita Federal restringe direito à alíquota zero de IRPJ/CSLL e PIS/COFINS, aplicável às empresas do setor de eventos

Por meio da Instrução Normativa nº 2.114/2022, publicada em 01/11/2022, a Receita Federal do Brasil (RFB) regulamentou a redução a zero das alíquotas de IRPJ/CSLL e PIS/COFINS, instituída pelo Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos - Perse, impondo restrições ao aproveitamento da desoneração.

O Perse é um pacote de ações emergenciais e temporárias destinadas à recuperação do setor de eventos, assim definido por Portaria do Ministério da Economia, que compreende a redução à zero das alíquotas do IRPJ/CSLL e PIS/COFINS por 60 meses e a possibilidade de transação tributária para pagamento de dívidas em aberto, dentre outras medidas.

A Instrução Normativa nº 2.114/2022, ao regulamentar especificamente a questão da alíquota zero, estabeleceu que a desoneração se aplica somente à receita e ao resultado das atividades do setor de eventos, expressamente determinando a tributação das receitas financeiras e das receitas ou resultados de outras atividades econômicas desenvolvidas pelas empresas do setor de eventos.

Tal restrição, em nossa visão, não encontra amparo legal. Isto porque, de acordo com o art. 4º da Lei nº 14.148/2021, que instituiu o Perse, foram reduzidas a zero as alíquotas dos tributos federais mencionados acima, “incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas” pertencentes ao setor de eventos. A diferença entre a redação da lei e a da norma agora editada pela RFB deixa claro que esta tentou transformar um benefício claramente subjetivo em objetivo - o intuito do legislador era beneficiar a totalidade do resultado das empresas do setor de eventos e não apenas as atividades específicas consideradas como eventos.

Ainda no que se refere às atividades beneficiadas, a Instrução Normativa impõe dois critérios cumulativos para a aplicação da alíquota zero: (i) o contribuinte deve praticar as atividades econômicas previstas na Portaria ME nº 7.163/2021; e (ii) essas atividades devem estar relacionadas a eventos, hotelaria, exibição cinematográfica ou serviços turísticos.

Ou seja, segundo a regulamentação, as pessoas jurídicas que praticam, por exemplo, a atividade de ensino de dança (CNAE 8592-9/01) ou ainda de fornecimento de alimentos preparados para empresas (CNAE 5620-1/01), embora tenham sido enquadras como empresas de eventos pela Portaria ME nº 7.163/2021 e tenham sofrido enormes prejuízos decorrentes das medidas de isolamento ou de quarentena realizadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19, não poderão se valer do benefício em relação à totalidade das suas receitas, mas apenas em relação às aulas ou alimentos relacionadas a “realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos”, ou ainda a serviços de hotelaria, exibição cinematográfica ou serviços turísticos.

Em nosso entender, a cumulação desses requisitos (atividade e finalidade) imposta pela RFB vai muito além do disposto na lei, tendo em vista que esta não exige o cumprimento cumulativo das condições para a aplicação do benefício, bastando que a pessoa jurídica se enquadre na definição do setor de eventos, conforme a relação de CNAE constante de ato editado pelo Ministério da Economia (art. 2º, § 2º, da Lei nº 14.148/2021), para se presumir os prejuízos sofridos e proporcionar-lhes condições para mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6/2020, seja mediante a redução das alíquotas, seja mediante parcelamento incentivado de tributos[1].

Vale ainda pontuar outro evidente conflito entre a Instrução Normativa nº 2.114/2022 e a Portaria ME nº 7.163/2021: para o Ministério da Economia, os contribuintes que estivessem em atividade na data de 04/05/2021 poderiam aproveitar a redução de alíquota, mas para o Fisco Federal, o benefício vale para aqueles que exercessem a atividade em 18/03/2022, data em que entrou em vigor a norma que reduziu a zero as alíquotas dos tributos federais ora em discussão.

Ao nosso ver, ambas as normas infralegais extrapolaram o disposto na Lei nº 14.148/2021, que não estabelece qualquer corte temporal de início de atividades como critério para fruição do incentivo.

Por fim, a Instrução Normativa nº 2.114/2022 ainda afirmou que a redução de alíquota não se aplica ao PIS/COFINS incidentes sobre a importação de bens e serviços, o que pode ser questionado pelas empresas sujeitas à apuração cumulativa das Contribuições[2], já que não há essa distinção na legislação de regência.

Em conclusão, longe de apenas regulamentar a forma de aplicação e fruição dos benefícios criados pela Lei nº 14.148/2021, a Instrução Normativa nº 2.114/2022 criou claros obstáculos para que as empresas façam jus ao Perse, os quais podem ser questionados judicialmente, dado o caráter ilegal de tais normas veiculadas pela Instrução Normativa, tendo em vista não estarem contempladas na legislação de regência.


[1] Importante notar que a Procuradoria da Fazenda Nacional, ao disciplinar sobre a transação das empresas inseridas no Perse, não fez tal essa exigência de cumprimento cumulativos dos requisitos, estabelecendo simplesmente que “Poderão aderir à transação de que trata o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) (...) as pessoas jurídicas cujo código de Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) figure em ato do Ministro de Estado da Economia, devidamente registrado no cadastro CNPJ na data de publicação da Lei nº 14.148, de 03 de maio de 2021.” (art. 2º, § 2º, da Portaria PGFN nº 7917, de 02 de julho de 2021)

[2] Para as não cumulativas pode ser apurado crédito e este ser objeto de ressarcimento em determinadas situações.

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